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VOCÊ É GENTIL

Garçons, manicures, taxistas e atendentes de telemarketing revelam as atitudes mais insuportáveis dos clientes. Veja quais são e descubra se você já cometeu alguma delas

“O cliente sempre está com a razão”. A máxima virou lei no mundo do atendimento ao consumidor. Acreditando nela, muitos clientes cruzam – às vezes por acidente – a fronteira da gentileza rumo à grosseria nas mais corriqueiras situações. Os deslizes podem ocorrer durante um pedido em um restaurante ou dentro de um táxi, por exemplo. O Delas falou com 20 profissionais, entre garçons, taxistas, manicures e atendentes de telemarketing, que selecionaram as atitudes mais desagradáveis dos seus clientes. Em um momento de autoavaliação, leia as queixas e descubra: você é mesmo uma pessoa gentil?

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No restaurante, a falta de contato visual e a mania de ficar no smartphone arruinam as chances de um atendimento simpático


Para os garçons e manicures, o principal vilão de um bom atendimento é o smartphone. Considerado um amigo moderno dos clientes, os celulares são responsáveis por momentos de silêncio constrangedores nos restaurantes e salões de beleza. “É comum tentar retirar o pedido e ser ignorado. Pergunto três vezes e pulo para o próximo da mesa”, explica Ed, de 32 anos, que trabalha há mais de dez anos como garçom. Já durante a manicure, o aparelho provoca pequenos acidentes quando é transferido de uma mão para a outra, como as unhas borradas.
Deixar de dar um bom dia ou boa tarde e esquecer o contato visual durante os atendimentos é uma reclamação comum dos profissionais e deixa uma péssima primeira impressão. Manter os olhos fixos no cardápio ao fazer o pedido em um restaurante cria uma imagem de superioridade em relação ao atendente.
Já as manicures gostam do contato por outros motivos. “Ninguém merece uma pessoa com cara fechada, conversar faz o tempo passar bem mais rápido”, defende Eliane, de 33. Desistir da cor do esmalte já no décimo dedo e atrasos de “cinco minutinhos” também causam mal estar. Para a manicure Thaís, de 28, é irônico a cliente que não aparece no horário cobrar pontualidade.

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Pedir para trocar a cor do esmalte depois da décima unha ou ficar manipulando o celular e atrapalhando o trabalho da manicure são queixas comuns

No táxi e ao telefone

Eliezer, de 59 anos, explica que ganha R$ 33 pela hora parada no trânsito. “Desembarcando rápido e partido para outro [passageiro], lucro até R$ 260 no mesmo período”. Abandonar o motorista no meio do trânsito, bater a porta com força desproporcional e passar mal após a balada engordam a lista de reclamações dos taxistas ouvidos pela reportagem. No ramo há 15 anos, Moacir, de 65, explica que as situações desconfortáveis poderiam ser evitadas se todos entendessem que o veículo é meio de trabalho compartilhado. “Imagina se eu pegar o seu instrumento de trabalho e tratá-lo como lixo”.Uma inofensiva corrida de táxi também pode não começar bem quando os bons modos são abandonados. A pior parte do trabalho, dizem os taxistas, é enfrentar o “passageiro misterioso”, aquele que nunca diz o seu destino final. “Ele é cheio de ‘vira aqui’, ‘vira ali’ ou ‘pega o acesso’, tudo em cima da hora. Além de perigoso é muito irritante”. Muitos passageiros explicariam a postura como um método de defesa contra os taxistas enroladores. Mas a categoria se defende. Segundo os profissionais, com o agravamento do trânsito em São Paulo, não há interesse em estender a corrida.
Os atendentes de telemarketing também são vítimas de alguns clientes enfurecidos. Divididos nas categorias ativos e receptivos, quando efetuam ou recebem ligações, eles colecionam histórias de grosserias. Ser constantemente interrompido e ofendido após dar uma má notícia viraram situações corriqueiras. “Somos treinados para lidar com as frustrações dos clientes. Nos casos mais intensos é só abaixar o volume do fone de ouvido”, explica Karina, de 18, com certo tom de conformidade.

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No telemarketing, ofender o atendente é uma das queixas mais comuns

Lincoln, de 21, que atua como supervisor na área de telemarketing, explica que o principal erro dos consumidores é tratar os atendentes como representantes das empresas alvos de reclamações. “A pessoa está frustrada com o serviço que recebe e quer reclamar. Pensa: ‘vou descontar no atendente porque ele representa a minha frustração’. Mas não somos funcionários daquela empresa, somos uma ponte”. Ele diz que funcionários enfrentam treinamentos para perder a ‘voz robótica’ e amenizar situações de combate durante as chamadas.
Estresse ou falta de educação?
Para Ana Vaz, consultora de etiqueta e imagem pessoal, os casos citados na reportagem ocorrem após uma combinação de estresse e falta de educação. “Não é só o fato de ser gentil que pesa. Precisamos refletir sobre a impressão que queremos deixar. Durante uma situação deselegante, você estraga o seu dia, o seu momento e o do outro também”.
A consultora conta também que a tecnologia provoca uma anestesia na sociedade. Os momentos de intervalo da rotina - como os minutos antes da comida chegar à mesa ou o período no salão - são vistos como improdutivos. “A tecnologia dá a sensação de que você não está perdendo tempo e usa aqueles minutos para responder um e-mail ou interagir nas redes socais”.
Para descobrir se você é gentil de verdade, Ana aconselha fazer uma auto-observação de como você age em todos os cenários do cotidiano, com todas as pessoas. “É quase um teatro. Algumas pessoas se mostram agradáveis e amáveis apenas ao lado de quem compartilha um compromisso social, como o chefe, por exemplo. Outras são legais com todos”, conta.
Um dado interessante? Ana garante que livros de etiqueta publicados há 30 anos repudiavam o contato visual com prestadores de serviço. No entanto, a lição está ultrapassada. "Hoje é muito deselegante agir assim. E um claro sinal de intolerância", explica.
Por Carolina Garcia - iG São Paulo

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